quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O DIA QUE MORRA...


O dia que morra,
Quero ir a sorrir!
O dia que morra,
Deixem-me depressa fugir!

Que haja enfim um dia
Que me sinta contente,
Liberto desta dor que me guia,
Liberto desta força que te sente!

O dia que morra,
Hei-de beber um Porto,
Celebrar…que estou morto,
Que ninguém me socorra!

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009


Nem inferno, nem paraíso,
Nem choro, nem riso,
Quero ir para o purgatório,
Navegar num rio ilusório

Ver aqui e ali almas penadas,
Meus irmãos, auras devastadas!
Saltitar, cair no abismo,
Sofrer um imenso cataclismo!

Abaixo os anéis de Dante,
Que eu quero ser comandante,
De um navio intrépido flamejante,
Ao leme de tudo o que é frustrante!

Yehp yep up la up la…grito tanto!
Só no vazio encontro encanto,
Prisioneiro de um rio sem margem…
Não quero fim para esta viagem!

Yehp la ulá yep ip!

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009


Porque o melhor, enfim,
É não ouvir nem ver...
Passarem sobre mim
E nada me doer!

- Sorrindo interiormente,
Co'as pálpebras cerradas,
Às águas da torrente
Já tão longe passadas.

-Rixas, tumultos, lutas,
Não me fazerem dano...
Alheio às vãs labutas,
Às estações do ano.

Passar o estio, o outono,
A poda, a cava, e a redra,
E eu dormindo um sono
Debaixo duma pedra.

Melhor até se o acaso
O leito me reserva
No prado extenso e raso
Apenas sob a erva

Que Abril copioso ensope...
E, esvelto, a intervalos
Fustigue-me o galope
De bandos de cavalos.

Ou no serrano mato,
A brigas tão propício,
Onde o viver ingrato
Dispõe ao sacrifício

Das vidas, mortes duras
Ruam pelas quebradas,
Com choques de armaduras
E tinidos de espadas...

Ou sob o piso, até,
Infame e vil da rua,
Onde a torva ralé
Irrompe, tumultua,

Se estorce, vocifera,
Selvagem nos conflitos,
Com ímpetos de fera
Nos olhos, saltos, gritos...

Roubos, assassinatos!
Horas jamais tranquilas,
Em brutos pugilatos
Fracturam-se as maxilas...

E eu sob a terra firme,
Compacta, recalcada,
Muito quietinho.A rir-me
De não me doer nada.
Camilo Pessanha

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009


Desterradas horas passo sozinho,
E sou estátua queda envelhecida,
Odor mofo de uma bebida,
Pedra caída no caminho!

Perco as horas, as estações
Sou ao meio
Pelo meio

Vulcões alados…
Estranheza, solidão…
Instantes cruzados
Num aperto de mão!

Ah…coração demente,
Irascível voador
Deixa-me simplesmente…

Desterradas horas passo sozinho
E sou estátua queda envelhecida,
Odor mofo de uma bebida,
Pedra tombada no caminho!

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Poema em linha Recta


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!

Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Fernando Pessoa