sábado, 27 de dezembro de 2008

Só…
Como o Lobo errante da montanha!
Só…
Que a amargura a mim não me é estranha!
Só…
Casa de pedra, caída, em ruína!
Só…
Sentimento que me atormenta e me fascina!
Só…
É este aperto que carrego na alma!
Só…
Já nada me alegra, nem me acalma!
Só…
Para mim é sempre noite, tardo em clarear!
Só…
Em silêncio…para sempre te amar!

domingo, 21 de dezembro de 2008

Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Vinicius de Moraes

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Quase


Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou mas não voou...

Momentos de alma que, desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...

Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Mário Sá Carneiro

domingo, 14 de dezembro de 2008


Albergo o espírito tempestivo,
O espírito inconformado!
Não, não me vão ver para aí casado,
Passeando nas tardes de domingo de braço dado!

Viver conformado?
Não, não é para mim,
Que tenho o espírito do furacão,
Das vagas das marés,
Todo eu, da cabeça aos pés,
Só sei ser emoção,
Livre, livre desta prisão!

- Olá, então como vai Sr. Canastrão?
Na merda, com orgulho e devoção!
- Olhe, não fale assim que Deus pode castigá-lo um dia!
Olhe, castigou-me hoje trazendo-o à minha companhia!
- Malcriadão, arruaceiro, homem azedo!
Desapareçam-me todos que me tresandam a medo!

E vão-se enfim furibundos…
Paz…paz aos vagabundos!

domingo, 7 de dezembro de 2008

Arrastei-me na calçada,
A pedra estava fria…
A alma está gelada,
Labirinto noite e dia!
Que a porta está fechada,
A fechadura foi selada,
A morte foi chamada,
Ando com o vento… nada me guia…
Busca efémera…
Que esta rua não tem nome,
É um beco sem saída,
Decidi chamar-lhe 'vida',
Nada fica…tudo some!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Il pleure dans mon coeur
Comme il pleut sur la ville ;
Quelle est cette langueur
Qui pénètre mon coeur ?

Ô bruit doux de la pluie
Par terre et sur les toits !
Pour un coeur qui s'ennuie,
Ô le chant de la pluie !

Il pleure sans raison
Dans ce coeur qui s'écoeure.
Quoi ! nulle trahison ?...
Ce deuil est sans raison.

C'est bien la pire peine
De ne savoir pourquoi
Sans amour et sans haine
Mon coeur a tant de peine !
Paul Verlaine

quinta-feira, 27 de novembro de 2008


A caneta rola-me nos dedos,
E o que me resta é escrever,
Dar a todos conta dos meus medos,
Que o derradeiro está em morrer!

sábado, 22 de novembro de 2008

Traduzir-se


Uma parte de mim é todo mundo
Outra parte é ninguém
Fundo sem fundo
Uma parte de mim é multidão
Outra parte estranheza e solidão
Uma parte de mim, pesa e pondera
Outra parte, delira
Uma parte de mim almoça e janta
Outra parte se espanta
Uma parte de mim é permanente
Outra parte se sabe de repente
Uma parte de mim é só vertigem
Outra parte, linguagem
Traduzir uma parte noutra parte
Que é uma questão de vida ou morte
Será arte?
Será arte?

Ferreira Gullar

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Cântico Negro


"Vem por aqui" - dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom se eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui"!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
-Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: "vem por aqui"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
-Sei que não vou por aí.
José Régio

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Foras!

Foras tu céu e eu trovão,
Tu flor e eu zangão,
Isolda e eu Tristão,
A morte e eu caixão!

Foras tu mar e eu a rocha,
Tu fogo e eu a tocha,
Tabaco e eu mortalha,
O sismo e eu a falha!

Foras tu frio e eu o gelo,
Tu rio e eu rabelo,
Lã e eu novelo,
O deserto e eu o camelo!

Foras tu barco e eu o porto,
Tu morgue e eu o morto,
Tristeza e eu a dor,
A tela e eu o pintor!

Foras tu…
Eu nada sou!

sexta-feira, 14 de novembro de 2008



Jardins de pedra,
Flores de mármore,
Luvas de chumbo,
Sobretudo de pinho!

Leves vapores,
Cruzes festivas,
Missas cantadas,
E cordas suspensas!

Semblantes carregados,
Gravatas pretas,
Correctores de pecados,
Convulsões violentas…

Ah…de tudo isto eu abdico,
Solidão enquanto me estico,
Erva húmida e um pouco de chuva enquanto me despeço
É tudo…, e apenas tudo o que Vos peço!

terça-feira, 11 de novembro de 2008



Perguntam-me porque escrevo solidão?
Não sei…careço de explicação!
Oiçam… oiçam o ecoar do trovão,
E deixem-me…deixem-me da mão!

Não quero falar! Prefiro gritar,
Ou deixar-me pela escrita silenciar!
Não…não me peçam porquês,
Que a minha sombra ninguém a fez!

Forjaram-na os elementos,
No vagar do turbilhão,
E nasceram-me os tormentos,
Bem do meio da podridão!

Não…não me peçam entendimento…
Nem sequer por um momento...
Deixem-me…sou filho da maldição…
Oiçam…oiçam o ecoar do trovão!



segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Rochedo que o mar desgasta,
Nas cáusticas marés violentas,
Como lança que trespassa,
Entrego-me eu em carícias lentas,
À dor… essa paixão que se arrasta!

O sangue cai-me com a onda,
Definho, rebolo… solto gritos,
E ninguém me ouve…
Mergulho no silêncio…
Silêncio…o fundo do mar,
Deixo-me cair…a flutuar…
Desço…desço…e desço…
No remoinho em que me desvaneço,

Sou lava que mergulha a fervilhar,
No fumo, o resto do meu ar…
Quedo, petrifico….sinto-me evaporar…
Pedaço de rochedo, que me fez tombar!


domingo, 9 de novembro de 2008


Poesia


É ponderar, reflectir, dar corpo ao sentir,
Amar a vida, chorar e sorrir,
Rugir aos deuses, pôr o peito a descoberto,
Vaguear por aí sem poiso certo!

É falar-te baixinho ao coração,
Seguir na estrada em contra-mão,
É dar voz ao animal, calar a razão,
É um sonho puro, mera ilusão.

É nascer em cada verso,
Sentir a alma em submerso,
Duvidar, ansiar sem querer que é amar,
Erguer esta espada…e por ti lutar!