terça-feira, 31 de março de 2009

Bojudo fradalhão de larga venta



Bojudo fradalhão de larga venta,
Abismo imundo de tabaco esturro,
Doutor na asneira, na ciência burro,
Com barba hirsuta, que no peito assenta:


No púlpito um domingo se apresenta;
Pregas nas grades espantoso murro;
E acalmado do povo o grão sussurro
O dique das asneiras arrebenta.


Quatro putas mofavam de seus brados,
Não querendo que gritasse contra as modas
Um pecador dos mais desaforados:


"Não (diz uma) tu padre não me engodas:
Sempre, me hé-de lembrar por meus pecados
A noite, em que me deste nove fodas"!

Bocage

sábado, 21 de março de 2009


A minha alma é como aquela terra inóspita
Rude e bravia
Dilacerada pelos sismos e vulcões
E torrentes sombrias
E de marés que a saturam.
E lá, no mais escondido recanto,
Poluído e nauseabundo, uma flor
Mero átomo absurdo
Que a minha lembrança forjou
Miragem inócua
Delírio obtuso
Perdida às minhas mãos
Que ao pó retornou
E me abraçou e me tocou,
E me ensandeceu…
E me envenenou!

domingo, 15 de março de 2009


Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza…
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.
Mário de Sá Carneiro

segunda-feira, 9 de março de 2009


Rasguei mais um pouco de mim…
Nos desfiladeiros do confim,
Tudo é rocha, abutres e pó,
Vagueio descalço, faminto e só!

Deslumbro-me em cada miragem…
Renovo a esperança, alio-lhe coragem,
Absorto…avisto a vã realidade,
Baixo os olhos…cerca-me lugubridade…

O que me rodeia é deserto,
Trilho dos incertos, rota da desgraça…
Imenso, colossal fosso aberto,
E eu…um camelo que passa!

quinta-feira, 5 de março de 2009


Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

Luís Vaz de Camões